HOJE É DIA DE ESTÓRIAS - JOÃO E MATINHA ASSOMBRADA

25/07/2016 20:23

            João era um trabalhador da roça, simples e até simplório em suas atitudes, mas muito trabalhador. Possuía algumas vaquinhas e vivia de gambira. Morador da roça tinha um ranchinho onde morava com sua mulher Joana. Não era conhecido pela sua coragem, mas sempre andava com uma garrucha na cinta, mantendo uma pose de valente. Como sua arma era muito bem cuidada era admirada pelas pessoas.

             Em certa tarde ainda na cidade, João montou em seu cavalo e iniciou a viagem rumo a sua casa no meio rural. Era distante umas três léguas. Ele veio à cidade fazer compras de mercado. A despensa estava vazia e Joana havia recomendado umas linhas e um corte de chita para fazer um vestido, pois estava próxima as festa de São João. Como de costume tomou alguns goles de cachaça no buteco do Zé.

             Os amigos apareceram e conversa vai conversa vem João não percebeu que o dia findava. Todos os amigos sabendo que ele era medroso não deixaram de contar algumas estórias de fantasma, pé de garrafa, mula sem cabeça. João fingindo não preocupar com a conversa contou algumas também. Mas, lá no fundo da alma sentia um calafrio danado que era aplacado, pelo tapa que dava na cachaça. Sem dó do João chegaram a falar na matinha que ele teria de passar e das pessoas que viram fantasmas lá.

Fugêncio – Tarde!

João e Zé (juntos) – Tarde!

Fugêncio – Dá um gole da amargosa!

João – Tá com fígado ruim!

Fugêncio – Éh!

Manoel – (entrando com pressa) Tárde meu povo! Me dá uma dose de conhaque Zé!

            Zé serviu a todos e iniciou uma proza bem animada. João pediu outra dose e apenas escutava.

Zé – Cê num é de vê que o cumpade Joaquim foi lá pras banda do riacho seco numa festa e contô que foi muito animada.

João – fiquei sabeno! A Joana não quis ir. E no finar acabei não ino ela inrolo e não arrumou minha ropa! (Todos riram)

Fugêncio – Ela num é boba, sabe bem o home que tem!

Zé – o pobrema foi na hora que vortô! Seis sabe que ele tem de passar na matinha. À noite tava muito escura.

João – Era lua nova!

Zé – Quando chegô na matinha seu cavalo deu um rapa que ele quase caiu!

João – E caiu?

Zé – Que nada

Fugêncio – Ainda bem que ele é duro, muntadô de burro brabo.

           Ao sair João montou em seu pangaré, colocou seu chapéu na cabeça. Despediu de todos e percebeu que os cabelos e, seu corpo arrepiou. João lembrou logo que teria de passar pela matinha um local considerado mal assombrado e quanto mais se lembrava das estórias contadas pelos amigos de prosa e dos mais velhos, mais o arrepio do corpo aumentava. E ao aproximar do local mal assombrado. Seus pensamentos não dava sossego, por mais que ele tentava mudar o que vinha na memória às estórias dos amigos vinha com força. E ele tentava pensar na Mariazinha mulata que apareceu no boteco para comprar mantimento.

           O cavalo a passos lerdos caminhava e vez em outra arrancava umas gramas a beira da estrada. Outra hora cheirava a terra como se percebesse coisa ruim. João não tinha nem coragem de apertar o andar do cavalo já imaginando quando estivesse naquele mato fechado. Às vezes apressava o cavalo dando com um reio no cavalo pensando que chegando mais rápido poderia chegar ainda de dia.

           O local que João tanto temia era uma espécie de corredor com árvores de todos os lados e ainda tinha umas pedras escorregadias que se não fosse com cuidado o cavalo podia cair. Tudo isso provocado pela umidade do brejo que formava uma pequena vereda ao lado da passagem.

           Com os pensamentos absortos hora nas estórias de assombração, hora no que fizera na cidade pensando naquela mulata bonita que viu no bar do Zé, inclusive soltando um belo sorriso para ele. E quando ela baixou para pegar o dinheiro que deixou cair.

-- Vixe santa, que anca a danada tem! Pensava soltando um risinho no canto da boca que era logo apagado pela lembrança da matinha e das conversas de assombração.

             Sem muita referência João (pensando longe) Êta muié bunita de danada. E aqueles dentes, valha-me bom Deus! Da próxima vez vou ver se troco com ela um dedim de proza!

            Continua pensando... Se dê certo vou até namora q’ela. Riu alto colocando a mão na boca para não deixar ninguém ver.Pior que os fantasmas da matinha! Era pensar na possibilidade da mulher dele descobrir seria morte na certa. Assombração não mata, (pensava ele), mas, mulher ciumenta essa sim é capaz de furar de faca. Ainda mais a Joana!

             Quanto mais próximo da matinha ele perdia o controle dos pensamentos. Não conseguia mudar de assunto, só passava pela mente, as estórias das assombrações. O cavalo em seu passo lento pouco adiantava apertá-lo. Ao dar uma chicotada na anca do bruto, esse mal dava uns trotes e depois voltava a aquele passo lerdo.

           Ao ver a matinha aí sim sua mente parou de pensar, seus olhos vidraram, sua boca secou, só ouvia a noite que não é nada silenciosa. Ouvia de tudo, grilos, coruja, a essa é das piores, quando a coruja piava os arrepios subia desde o pé da coluna passando pela nuca encrespando os cabelos levantando o chapéu.

           Ao chegar à matinha começou a passagem bem devagar, pois, estava muito escorregadia. Seu pangaré escorregava e como todo cavalo faz baixou a cabeça e soltava um sopro barulhento ao cheirar as pedras. Os animais cheiram e olham o lugar para andar com cuidado e não cair. João começou a sentir mais calafrio dessa vez a coisa estava feia. A nuca dele arrepiava tanto que parecia alguma alma penada ou mão de defunto pegando sua nuca tamanha era a friagem.

           Mas, o problema não parou por aí, deu uma apertada no pangaré e esse quase caiu tamanho o escorregão que ele levou. Ao firmar com um puxão forte na rédea ele levantou a cabeça e viu a sua frente um bicho de uns dois metros de altura como a lua havia saído e a iluminação era pouca e o reflexo entre os galhos não deixou dúvida, era uma livuzia mesmo. O cavalo estacou com aquela visão e com a freada que recebeu ao puxar a rédea sem perceber.

          Como João já vinha preparado sacou a garrucha e espocou dois tiros um atrás do outro. A visão do João foi atrapalhada pela fumaceira que provocou os disparos de uma garrucha e dois canos bem carregados e, pelo medo, ele sem pensar meteu o reio na anca do cavalo e as esporas, muito bem apontada por ser nova, na paleta do seu pangaré. Esse saiu com tudo num cai aqui tomba acolá provocado pelos escorregões na pedra lisa, só vindo a firmar os cascos quando atingiu a terra firme. Nessa disparada João não viu quando chegou, em casa, tamanho foi o medo e a velocidade do seu maltratado animal.

-- Muié de Deus (falou João)

-- O que foi home? Cê viu livusia?

-- Foi na matinha! Tinha uns dois metros!

-- Cê ta doido livusia não existe!

-- Num ixiste procê muié! Dei até dois tiro nele.

-- Acarma home de Deus! Amanhã de manhã vamos lá vê o que ouve!

A noite foi longa para João que não dormia. Pulou da cama ainda de madrugada, sua mulher levantou coou café. João foi pegar os cavalos para os dois irem ver o que aconteceu.

Tomaram rumo da matinha e ao chegar lá só via o riscado do casco do cavalo nas pedras.

-- Onde foi que ocê viu a livusia João?

-- Foi bem aqui! (respondeu)

Viraram os cavalos no local que ele havia visto o fantasma e a mulher perguntou: aonde ocê viu a coisa ruim? João mostrou e foram conferir. Ao aproximar viram um toco meio esbranquiçado com marca de fogo deixando assim um lusco-fusco com a lua. Logo viram a marca dos chumbos da garrucha.

Nisso Joana exclamou! Cê é froxo que só, home! Mais pelo meno é bom de tiro! Acerto os dois! (Aponta para toco de árvore)


Voltar
UA-80825753-1

Tópico: HOJE É DIA DE ESTÓRIAS - JOÃO E MATINHA ASSOMBRADA

Nenhum comentário encontrado.