O DIA QUE GANHEI SAPATOS NOVOS
06/03/2017 09:38Sempre ouvi histórias sobre a Selvina. Segundo consta ela era descendente de escravo e com a libertação dos mesmos ela foi morar com um tio meu. A conheci quando ainda criança. Era baixinha e com a idade um pouco avançada conseguia fazer todos os afazeres da casa. Ciumenta com seus pertences ela nunca saia de casa.
Era muito bem cuidada e vivia uma vida de quem morava na roça. Morava na mesma casa dos seus patrões. Ao terminar o almoço gostava de sentar em um canto e fumar o seu cachimbo.
Um dia os donos da casa levantaram e não viram a Selvina, foram procura-la. Não era costume dela dormir até mais tarde. Sempre o café estava pronto quando todos levantavam. Ao chegar no quarto viram ela deitada. A chamaram várias vezes até que constataram que ela estava morta.
Foi um choro danado o Tio Quinca logo chamou um carpinteiro para fazer o caixão. Outro foi até a cidade para comprar o tecido que cobria o mesmo. A tia Marieta gritou para o cavaleiro que já estava saindo.
Tia - Não esqueça de trazer o sapato para calça-la!
Cavaleiro - Qual o número?
Tia - Trinta e dois.
Logo a notícia se espalhou. Pessoas foram chegando para o velório. Em pouco tempo a casa e o quintal estava cheio de amigos do fazendeiro. O corpo foi colocado sobre uma mesa forrada com um lençol branco. Ela que sempre vestia de preto após lavarem seu corpo recebeu uma veste branca. Na cintura amarraram o cordão de São Francisco. Uma trança feita para enterrar as pessoas e proteger o espirito em sua passagem.
Mais tarde o carpinteiro terminou o caixão com um tecido roxo próprio para a mortalha. O corpo foi colocado dentro dele já calçado. Era costume na época calçar os mortos.
Logo começou as orações a noite caiu e no dia seguinte antes de fechar o caixão e, todos preparando para o enterro. Nesse momento as pessoas ocupadas com os preparativos do cortejo até o cemitério, não prestava muita atenção na morta. Foi quando o inesperado aconteceu. A Selvina levantou no caixão e perguntou o que estava acontecendo.
Foi um deus nos acuda! Era mulheres desmaiando, outros trombando nas portas. No final ficou só a Selvina sem entender nada, na sala. Foi uma correria danada. A morta levantou e saiu correndo atrás das pessoas perguntando o que estava acontecendo.
Selvina na realidade morreu muito tempo depois já na década de 1960.
O que aconteceu na primeira morte é que ela sofria de uma doença chamada "catalepsia". Ela provoca uma espécie de morte aparente, a pessoa fica com a musculatura rígida, sua respiração diminui e os batimentos cardíacos ficam quase imperceptível.
Quando todos recuperaram do susto voltaram e o velório virou festa. Selvina se orgulhava de dizer: "no dia que morri foi bom! Ganhei sapatos novos". E afirmava ainda que nunca iria morre ela já tinha morrido.
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